Participei ontem na OAB de um seminário intitulado “FUTEBOL, DIREITO AO LAZER E TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE CULTURAL”.
Hoje vejo matéria no jornal “O Estado de São Paulo” dando conta – com o seguinte título: “Crise gera pânico no futebol da Inglaterra” - de que o futebol entrou no olho do furacão da crise mundial.
O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo.
Durante a palestra do senhor Marco Aurélio Klein, diretor da FPF, compreendi que nós – aqueles que ainda resistem ao processo de elitização do futebol – 'pregamos no deserto'.
Segundo o palestrante – não há mais lugar para um futebol que não seja aquele voltado para os consumidores, aquele que oferece não um jogo (mas um espetáculo) -, entretanto, para isso, deve-se cobrar preços compatíveis; os nossos não são - em absoluto – desse quilate. Ou seja, se por um lado há uma crescente pressão para que a organização do espetáculo - o local e o espetáculo em si - tenha uma qualidade que atraia CONSUMIDORES, não há como não se cobrar preços compatíveis com o serviço oferecido.
Ainda segundo o sr. Klein há uma marcha inexorável (termo que eu utilizei para questionar o processo) para a mudança do perfil daqueles que consomem (uso as palavras aproximadas daquelas ditas pelo palestrante) o espetáculo. Vejam que não usei os termos torcedores, nem futebol. Usei consumidores e espetáculo, aqueles que são invariavelmente utilizados pelos gestores e arautos de uma (pseudo)modernização da economia do futebol.
Na mesma palestra havia uma pessoa do departamento de marketing do Palmeiras, não consegui saber qual o seu cargo por lá, mas o nome dele é Juan Rafael Brito, que para a minha alegria se disse muito feliz por estar trabalhando no Palmeiras, pois é “torcedor” do clube desde o nascimento (ao menos isso).
Entretanto, para a minha tristeza, ele acredita ser necessário, como disse o palestrante anterior, que os clubes se organizem para 'faturar' mais com os consumidores do espetáculo, que os preços por aqui praticados são muito baixos mesmo. Para ele – não sei de que forma – há espaço para abrigar também os torcedores menos abastados no espetáculo. Eu, de minha parte, acredito haver uma contradição "econômica/sociológica/antropológica/capitalista" ainda a ser resolvida entre espetáculo, consumidores, torcedores... preços.
Mas, o importante é ver que está em curso um processo, e já se forma sobre ele um quase consenso, que vem criando uma nova relação entre os clubes e seus aficionados, que não serão mais os tradicionais torcedores, mas serão os futuros consumidores – seja do espetáculo, seja dos produtos dos clubes – de futebol.
Essas são idéias que vem hegemonizando o futebol atual, fruto de uma cópia mecânica – e sem relativizações; necessárias em meu entendimento – daquilo que ocorreu e ocorre com o futebol nos países europeus, como por exemplo na Inglaterra. Fruto ainda de uma visão – subjacente – de que o torcedor é o ruido, aquele que deixa o ambiente poluído, feio, impróprio para a convivência com aqueles que são os 'diferenciados': os consumidores.
A relativização dessa idéia corrente (pelo menos no que concerne ao fator econômico) deve ser levada em conta já que por aqui os níveis de salários são muito menores que os de lá. Se lá, onde os níveis salariais são muito maiores, houve um processo de elitização e aqueles que sempre foram os freqüentadores das arquibancadas foram afastados dos estádios, e hoje são empurrados para as transmissões dos canais de TV´s pagas, o que acontecerá por aqui? Talvez, sejamos impelidos a outras formas de lazer; aquelas que ainda não são consideradas rentáveis, aquelas destinadas aos 'menos aptos a viver e conviver socialmente', e nesse momento aquelas que não requerem vultosas quantias para serem consumidas (a prática ainda nos será permitida, pois são as classes menos abastadas que 'revelam' a mão-de-obra - pés-de-obra, no caso do futebol - que impulsiona o lucro; é onde estão os artistas).
Outro fator que deve ser levando em consideração é a diferença entre um torcedor de futebol e um consumidor de espetáculos.
O torcedor é aquele que lá estará independente da qualidade do espetáculo, das condições do palco, das intempéries... Neste caso, o único fator impeditivo é o financeiro. No caso do consumidor, onde teoricamente não há impeditivo financeiro, se há a necessidade de lhe oferecer determinadas condições para que ele consuma um determinado produto, deve-se concluir que não lhe sendo oferecido o produto - com a qualidade desejada - ele deixará de consumi-lo, ou seja, é um 'público' volúvel que poderá trocar – e o fará – um jogo de futebol por uma peça de teatro – por exemplo.
Pois bem, é aí que entra a matéria [clique aqui para lê-la na íntegra] de hoje do Estadão. Lá está escrito que com a crise mundial os clubes de futebol da Europa por serem aqueles que mais pagam salários, aqueles que mais recebem cotas de televisão - pois tem os maiores craques para um espetáculo de qualidade -, por terem ações na bolsa de valores, por terem financiadores (mega milionários) – que, ou perderam dinheiro com a crise ou viram suas fortunas se esvaírem da noite para o dia – terão que reduzir o ritmo de suas contratações, de seus investimentos, vender os artistas para fazer caixa, etc. Ou seja, a qualidade do ESPETÁCULO irá invariavelmente cair abruptamente.
Daí que eu pergunto: e agora, será que os exigentes consumidores não buscarão outro espetáculo? Será que não buscarão salas climatizadas, com poltronas confortáveis e com artistas outros que não sejam 'celebridades da bola'? O parágrafo final da matéria do Estadão de hoje não deixa dúvidas de que a resposta é sim: “...Se o atual modelo de gestão não for modificado (...) a conta final pode acabar no colo - e nos bolsos - dos torcedores, que receberão apelos dos cartolas para salvar seus amados clubes.” [o grifo é meu]
Isso mesmo, os clubes recorrerão aos torcedores. Mas que torcedores? Elementar: aqueles mesmos que há pouco foram afastados dos estádios pelo processo de elitização (esse que está em curso por aqui também). Processo esse que eufemisticamente é usado no jargão dos administradores esportivo como profissionalismo, mercado, consumo, espetáculo etc.
O que é dramático neste caso é esperar pela resposta e saber - no caso europeu, que já está em curso há mais de duas décadas - se esses 'torcedores' ainda existem; se resistiram à traição que lhes foi imposta. Pois, ao contrário de um consumidor que é movido apenas por ondas ou pela 'moda', o 'torcedor' é movido por paixão, e essa é do campo não racional, é do campo subjetivo. Talvez, ao primeiro chamado eles (os torcedores) lá estejam prontos a salvar o 'ser' amado; mas como toda paixão, irracional que é, pode resultar na negação, no afastamento, no desprezo...
Espero que os administradores esportivos daqui aprendam, ainda há tempo, com os equívocos, absolutizações e com a história - ainda em curso - dos de lá, pois como escreveu Schwarz – para outro contexto, é claro – “as idéias...” estão “...fora do lugar”.
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* SCHWARZ, Roberto. (1973), "As idéias fora do lugar". Estudos Cebrap 3, jan.
Em tempo: Assim que eu conseguir a gravação do debate, que já solicitei, disponibilizo a todos que se interessarem.
FELIZ ANO NOVO, PARMERADA!!
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E lá vem um novo ano… E ele certamente vai ser como o que está se acabando…
uma montanha-russa de emoções. Alegrias imensuráveis, outras pequeninas,
mas ta...
Há 10 meses
Bom texto e excelente assunto.
ResponderExcluirAcho que no Brasil será de fundamental relevância que se dê valor ao torcedor comum. Sem ele o futebol por essência fica sem graça. Futebol é um complexo de muitos fatores e um deles é o torcedor menos favorecido economicamente (expressão, não pontual mas "entendível"). Espaços o estádio, produtos, campanhas tem que ser feito para esse tipo de torcedor, no qual eu as vezes me enquadro!
Concordo. Temos que resistir, pois o que se apresenta é um 'mundo do futebol' que não precisa (até rejeita) o torcedor; em nome do produto, do espetáculo... Do consumidor. Eu, de minha parte, estou pouco me lixando para poltronas, numeração de assento etc., o que quero é ver meu time jogar, esteja ele bem ou mal. Quem quiser eswpetáculo que vá ao teatro, como já disse um técnico por aí. abraço.
ResponderExcluirrealmente bom o texto. Quem é vc??
ResponderExcluirAchei o tema muito bem escilhido, e axo que sintetiza muita coisa do que está mudando (o que eu acho que para a pior no nosso "futebol moderno") de maneira muito bem argumentada. parabéns pelo texto, realmente muito bom
Caro Rivaldo, obrigado pelo elogio. Sou um torcedor palestrino de arquibancada, que resolveu estudar o mundo do futebol: estou fazendo mestrado e meu tema é a economia o futebol, mais especificamente a convivência entre o moderno e o arcaico no futebol brasileiro. Mas, acima de tudo, sou um torcedor de futebol, um desses que as mudanças (para pior) irá afetar. Volte sempre.
ResponderExcluirCaro Ademir,
ResponderExcluirA revista O&S Organizações e Sociedade (NAcionl A em Adm.) está com chamada para seu tema de pesquisa até 30/11.
Sandro Cabral
scabral@ufba.br
Belo texto, Ademir. Legal ter voltado a falar desse tema.
ResponderExcluirOs que antes não faziam falta (ou até incomodavam), agora serão a salvação.
É igual o que está acontecendo na crise financeira. O modelo neoliberal prega que o governo deve intervir o mínimo possível na economia. E agora, os mesmos neoliberais imploram que os governos interfiram com cifras monstruosas para salvá-los da catástrofe.
Sandro, valeu pela dica. Vou procurar me informar.
ResponderExcluirRafael SEP, é sempre assim. Veja por exemplo o processo de criminalização por que vêem passando as Torcidas Organizadas desde aquele confronto no Pacaembu. Ninguém propõe nada, a não serer fechar, prender etc. Acontece, que na década de 80, em meio à crise do futebol por que passava o Brasil, co estádios vazios, elas foram saudadas como a salvação. A história se repete (...) como farsa.
Voltem sempre.