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20 de mar. de 2008

Pelé, Gerson, Nilton Santos e a crônica esportiva

As pessoas, em geral, têm por hábito exaltar e idealizar o passado. O futuro representa o desconhecido, este – por seu turno – faz o ser humano refletir sobre mudança, talvez descontinuidade. Seria, no limite, o apagar das luzes para uma criança, e para o ser humano adulto é a incerteza, talvez o limiar do fim. Por isso, nos assusta a todos.

O presente, onde o trabalho, o tempo, o espaço, a vida, o cotidiano, e muitas outras batalhas do dia-a-dia são travadas, é o contraponto ao passado. Como todas estas batalhas nos consomem, idealizamos que havia um tempo onde isso não era assim. O passado era o Éden, o presente o purgatório, o futuro - talvez - o inferno.

Meu pai, apesar da ditadura militar, analisando apenas os aspectos de crescimento do país, deixando todos os outros aspectos de lado, jura de pé junto que foi a melhor época de sua vida. O passado, por ter o presente como contraponto, é o momento onde se foi feliz e não se sabia. Não é assim o ditado?

Não é diferente – creio eu – com nenhuma pessoa. Isso inclui os jornalistas e cronistas esportivos.

Há algum tempo assisto e leio cronistas e jornalistas esportivos exaltando o futebol que era pratica em um passado (remoto ou não) para criticar com veemência aquele que é praticado nos dias atuais. Em última análise, aquele era o verdadeiro futebol, a arte, onde a técnica se sobressaia, onde o craque (do jeito que falam e escrevem só havia este tipo naquele tempo) ‘jogava e deixava jogar’, onde os ‘brucutus’, os ‘botinudos’ e os volantes cães-de-guarda não existiam. Sem falar, é claro, que também não existiam a deslealdade, o jogo sujo (antítese do tal do fair play), nem pontapés, tampouco lances de malícia entre os praticantes do ‘esporte bretão’.

Há algum tempo isso me incomoda, tanto que inicialmente minha idéia de monografia para o mestrado era centrada neste tema. Queria saber, através da análise do discurso da imprensa esportiva, que raios seria esse tal de futebol espetáculo de que tanto falam. Mudei a linha, escreverei sobre modernização do futebol e tal. Mas, continuo incomodado com isso. Por isso, resolvi escrever sobre o tema aqui no Blog, já que a propósito da tal cotovelada do Kleber o tema voltou à tona.

Dia desses li no 3VV um comentário do Marcelo Solarino sobre como se portava, ou se portou enquanto foi atleta profissional, o rei Pelé, considerado por todos o maior jogador de futebol de todos os tempos, disse o Marcelo: “...Quem não se lembra da famosa cotovelada do Pelé em Matozas contra o Uruguai na semi final da Copa de 70? Talvez nossos jornalistas de hoje exigiriam uma punição exemplar para ele, inclusive suspendo-o da final contra a Itália...”.

Eu me lembro de uma perna quebrada pelo Gerson, só não me recordo quando e de quem, e ele para se justificar dizendo que era a do adversário ou a dele.

O mesmo Marcelo se lembra de um lance Anti-Fair-Play do grande Nilton Santos, aquele em que ele, ao perceber que havia cometido uma falta dentro da área brasileira, dá um passo à frente, ludibria a arbitragem e livra o Brasil – quem sabe – de uma derrota.

Zico teve a carreira abreviada por problemas de joelho devido a botinadas, o mesmo ocorreu com Reinaldo, e há tantos outros que é até difícil nomear.

O que sei é que os três exemplos acima (Pelé, Nilton Santos e Gérson) não são exatamente de botinudos, muito pelo contrário. Estes exemplos me são suficientes para ter a absoluta certeza que no passado, como no presente, os praticantes do futebol queriam é ganhar, a todo custo, nem que para isso (para se defender e defender o seu ganha pão) fosse preciso dar umas botinadas quando necessário.

O que continuo a não entender é o porquê dos jornalistas e cronistas esportivos criticarem tanto o futebol que se é praticado atualmente já que não é verdade (pelos exemplos levantados) que – como diz o samba-enredo – ‘lá nos tempos mais remotos’ o futebol praticado por aqui era diferente

A crítica ao futebol praticado no Brasil talvez tenha como motivo o fato de seus patrões – na maioria – transmitirem (e cobrirem) jogos de futebol de outras praças (Espanha, Itália, Inglaterra etc.). Estranho, pois lá como aqui, não é diferente. Sempre existiu e sempre existirá a vontade de ganhar, o uso da força (futebol é esporte de contato e violento por natureza – não fosse assim não precisaria de regras), várias botinadas, algumas pernas quebradas...

Fora o fato de estarem defendendo também o seu ganha pão e criticando a mercadoria daqui para exaltar a de lá, a outra explicação só pode ser a idealização do outro, a idealização da grandeza do vizinho. Mas, esta é uma outra história.

2 comentários:

  1. Opa!

    Sabe, acho que este post desagua numa bela sacada.

    Quando comparamos o futebol brasileiro do passado com o futebol estrangeiro do presente, estamos, em ambos os casos, tratando da apreensão do jogo em tempos distintos, descolados da experiência da arquibancada e do boteco.

    O futebol brasileiro do ontem vive na memória oral, nos recortes esporádicos de uns tapes antigos. Isso potencializa a imaginação. É diferente da partida de hoje, da rodada passada, quando qualquer lance é esquadrinhado por centenas, milhares de sites e blogs e arquivos de áudio e video. A realidade se desnuda, a dor do presente continua pulsando.

    Com o futebol estrangeiro, é mais ou menos a mesma coisa. Tudo bem, algumas partidas do futebol italiano, ou espanhol, são tecnicamente lindas -- como algumas do campeonato brasileiro também o são. Mas, na boa, já parou pra ver os jogos meia-boca das competições européias? São o horror. E, mais que isso, existem aos montes.

    Aí, é um fenômeno não exatamente igual, mas análogo. A gente idealiza o futebol estrangeiro, e nisso ele vive em outro tempo, se desgruda do tal presente eletrônico eterno no qual acabam as coisas do futebol jogado na Bananalândia -- não por ser do Brasil, mas por ser próximo.

    É, acho que é mais ou menos isso. Bela sacada essa do post, sim senhor.

    Abraço.

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  2. Concordo plenamente.

    Mas o problema de tudo é o fato de o saudosismo ser inerente ao ser humano.

    Há uma tendência de sempre acharmos que o passado foi melhor, que éramos mais felizes antes etc. e tal.

    Vale para tudo na vida e o futebol, pelo teor de dramaticidade e emoção que carrega, tende a acentuar este comportamento saudosista.

    Irrita, é claro.

    Mas eu não duvido que um dia eu encha o saco dos meus filhos com comentários do tipo "Ah, vocês não viram do que Edmundo e Evair eram capazes. Os atacantes atuais não chegam nem aos pés dos que eu vi jogar".

    É só uma mea culpa, mas a sua análise é perfeita.

    Abraços

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Caro Palmeirense, aqui você pode fazer seu comentário. Como bom Palmeirense CORNETE!!!

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